domingo, 23 de maio de 2010

Partidos e projeto "Ficha Limpa" não merecem crédito, dizem especialistas

23/05/2010
Maurício Savarese
Do UOL Notícias
Em São Paulo
Brechas podem garantir impunidade
Inconstitucional, estranho, embuste ou, simplesmente, sem graça. São esses os adjetivos que especialistas ouvidos pelo UOL Notícias usaram para descrever o projeto “Ficha Limpa”, aprovado nesta semana pelo Senado. A lei, ainda não sancionada às vésperas da votação de outubro, impede que políticos condenados por órgão colegiado da Justiça (mais de um juiz) participem de disputas eleitorais.

Há dúvidas entre os próprios parlamentares sobre se a lei pode ser aplicada já neste ano: alguns avaliam que isso aconteceria caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a sancione antes das convenções que definem os candidatos. Outros, que parecem estar mais alinhados com as opiniões dos especialistas, entendem que a proposta teria de ter sido aprovada em 2009 para poder valer neste ano.

O assunto deve ser decidido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que foi provocado inicialmente pelo PSDB e depois por dois deputados federais. Eles tomaram a iniciativa para saber se a medida afetaria nestas eleiões o ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima. O tucano perdeu o mandato em 2008 por abuso do poder público e se a pena for retroativa ele não teria como ser reconduzido ao cargo.

Outros políticos proeminentes, como os ex-prefeitos de São Paulo Paulo Maluf (PP) e Luiza Erundina (PSB) poderiam ser impedidos de disputar novos mandatos na Câmara.

O projeto foi impulsionado por uma iniciativa popular: recebeu 1,6 milhão de assinaturas ao ser apresentado ao Congresso em setembro do ano passado. Além de tornar candidatos inelegíveis, a lei impede a preservação dos direitos políticos de quem renuncia ao mandato para escapar de eventual cassação por conta de denúncias.

“Metade desse projeto vale. É o que está de acordo com a Constituição, segundo a qual quem renuncia para não ser punido é punido do mesmo jeito. A outra parte é inconstitucional, um embuste eleitoral”, disse o especialista Alberto Rollo, presidente do Instituto de Direito Político Eleitoral e Administrativo (Idipea). “Em um julgamento de 2008, oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal foram contra mudança no ano da eleição. Podem até voltar atrás, mas acho difícil.

De acordo com a legislação eleitoral brasileira, mudanças que afetem o curso da votação só podem ser feitas um ano antes. A medida foi aplicada para evitar mudanças casuísticas às vésperas do pleito, o que geralmente favorecia os candidatos ligados ao governismo. A defesa do “Ficha Limpa” foi feita por parlamentares da situação e da oposição, de olho nos voto ético.

Para o advogado Tito Costa, a lei foi “fabricada para atender à grita da comunidade e é cheia de equívocos e reticências. “Essa coisa é muito sem graça. Parece feita para atender às exigências do ano eleitoral. Nenhum deputado nem senador teria coragem de barrar isso. Mas a Justiça o fará”, afirmou. “É verdade que o projeto inicial era condicionar tudo a um juiz de primeira instância. Eles mudaram isso e o risco de injustiça diminuiu. Mas continua sendo impossível de aplicar neste ano.”

“O positivo é que alguns partidos vão incorporá-la a seus estatutos e impedir a entrada desses elementos sem que a questão precise de intermediação da Justiça. Mas não acho que temos de dar muito crédito para o que estão fazendo, acho difícil que valha já para este ano e as eleições seguintes só virão quatro anos depois”, disse.

Mudança estética
Para o cientista político Luciano Dias, do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos), o projeto "Ficha Limpa" pode valer para o futuro, mas conspiram contra isso a alegada inconstitucionalidade de aplicá-lo neste ano e a falta de moral dos partidos políticos para fazê-lo em 2014. “Esses mesmos partidos que pensam em adotar o texto da lei nos seus estatutos já têm conselho de ética, não têm?”, provoca. “O Conselho de Ética do PMDB já julgou se o deputado Jader Barbalho teve algo a ver com desvios em autarquias do governo Fernando Henrique Cardoso. Não aconteceu nada.”

Rollo concorda com essa análise. “Não vejo como isto valer para estas eleições e o futuro está longe demais para sabermos como será na próxima eleição. Se o povo se interessasse mesmo pelo tema, talvez houvesse uma perspectiva melhor. Mas as pessoas não querem saber disso de "Ficha Limpa" ou "ficha suja". Os partidos vão acabar lidando com isso da forma que quiserem, exceto pelo fato de que você não pode mais renunciar para não perder o mandato”, diz.

O cientista político Dias afirma que “a história toda do "Ficha Limpa" não é muito séria”. “Na Alemanha, o presidente da Câmara tem o direito de tirar um mandato se a suspeita sobre um colega dele é muito grave. Nos Estados Unidos, só a suspeita grave faz o próprio partido punir o faltoso, porque esse indivíduo sabe que nem será indicado novamente como candidato. No Brasil estamos nos primórdios”, afirma.
Fonte: Uol Notícias

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