quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Problema do Orçamento não está só na arrecadação

6 de Novembro de 2008 - O processo foi lento, mas, enfim, o governo aceitou que a economia crescerá menos no ano que vem e estabeleceu os primeiros parâmetros para avaliar a desaceleração. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, projetou para o próximo ano uma expansão do PIB na faixa entre 3,7% e 3,8%, revisando a taxa de 4,5%, "mas ainda não fechamos esse cálculo". Essa revisão inclui desde expectativas inflacionárias até preço do petróleo e, segundo os estudos técnicos do Planejamento, exigirá um corte de no mínimo R$ 8 bilhões na peça orçamentária.
O ministro trabalha com sensíveis reduções da receita tributária. Na visão oficial, a receita do próximo ano será R$ 15 bilhões abaixo do previsto. O corte será o anunciado, de R$ 8 bilhões, porque os outros R$ 7 bilhões serão automaticamente reduzidos das transferências para estados e municípios. O fato não deve implicar tensão política porque as transferências estão indexadas às receitas de alguns impostos. Segundo Bernardo, a cada ponto perdido na expansão do PIB, os cofres públicos deixam de arrecadar R$ 4 bilhões. Nem mesmo a expectativa do governo de que a inflação ultrapasse a meta de 4,5% implicou folga orçamentária, mesmo levando-se em conta o fato de que a arrecadação sobe com inflação, porque os tributos incidem sobre preços mais altos. Porém, para medir a queda da receita, o governo contabilizou vários outros fatores, até o preço do petróleo.
Vale notar, por exemplo, que na peça orçamentária enviada ao Congresso em agosto o preço médio do barril para o ano que vem foi de US$ 110. Após a crise internacional, há um consenso entre os analistas de que o barril terá um custo médio em torno de US$ 70 em 2009. Este fato significará uma perda de arrecadação em royalties e demais participações da exploração de petróleo da ordem de R$ 5,2 bilhões. Bernardo reconheceu que o preço do petróleo foi o fator que influenciou as previsões do governo "pelo impacto que tem nos estados e municípios". Motivo: da receita dos royalties, 60% é repassado direto para os dois outros entes federativos pela União. Portanto, se a receita do petróleo cai, o governo federal sofre menos do que estados e municípios.
O governo mudou de opinião sobre a origem da queda de receita. A Secretaria da Receita Federal do Brasil avisou que os resultados da arrecadação de setembro ainda acusava crescimento acumulado de 10,08%, acima da inflação. Porém, a Receita avisava que entre a crise e seus efeitos há um intervalo e que haveria redução "em três ou quatro meses" da arrecadação do Imposto de Renda de pessoas jurídicas, considerado pela Receita como "o carro-chefe da arrecadação". Sem esquecer o mais importante: a Receita Federal avisava que desde maio a arrecadação diminuía. Por exemplo, em setembro a receita de impostos federais alcançou expansão de 2,95% ante agosto e de 8,06% em relação a setembro de 2007. Porém, em comparação com o ritmo de crescimento da receita, esse índice era cada vez menor desde maio, quando o crescimento anualizado nesse mês foi de 10,08%.
A reação do governo frente à crise está concentrada apenas na receita, sem maiores atenções quanto à outra ponta da disciplina fiscal, a dos gastos do próprio governo. As despesas do governo, na peça orçamentária enviada ao Congresso embutem uma expansão de 13,2% para o próximo ano. Os gastos com o funcionalismo alcançarão R$ 155,4 bilhões em 2009, 4,8% do PIB, o índice mais alto nos últimos anos. Apenas como comparação, esse gasto neste ano representou R$ 133,4 bilhões. A expansão da folha de pagamento, que embute a contratação de novos funcionários e o atendimento das reivindicações salariais, avançou 10,4% neste ano. Esses gastos são perigosos do ponto de vista da disciplina fiscal porque são irreversíveis e crescentes: não se pode recuar do aumento dado e muito menos demitir pessoal no serviço público, seja qual for a situação da arrecadação. Em outras palavras: seja qual for o ritmo de expansão da atividade econômica, essa conta terá de ser paga.
É curioso, mas a preocupação do governo no que diz respeito à questão fiscal é bastante seletiva e voltada apenas à arrecadação de tributos. Neste ano, o País enfrentou dezenas de greves no setor público e em nenhuma delas o governo descontou os dias parados. O fato chegou a irritar o presidente Lula, para quem greve sem riscos é apenas um período de férias. Corretamente o governo insiste em que não cortará investimentos, em especial os destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento. Este é o caminho: preservar investimentos do setor público para manter o nível de atividade. É deste último, convém não esquecer, que os impostos dependem.
Fonte: (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 2)

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