quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Crescimento econômico e a herança que o governo deixará

17/02/2010

Temos insistido nestes “sueltos” semanais que, em matéria de crescimento econômico, 2010 está dado. Por uma fatalidade estatística, registraremos um crescimento da ordem de 5% ou 6%. O que se discute é a “qualidade” desse crescimento e a herança que o governo Lula deixará. Será um ano em que as incertezas continuarão:

1) Estimativas quase consensuais são de que a economia mundial crescerá em torno de 3% a 3,5% (os EUA próximos de 3,5%, a Eurolândia menos de 2% e os emergentes de 5% a 5,5%). A Comissão Europeia decidiu suportar a Grécia, mas há ainda a possibilidade de um desarranjo no sistema financeiro americano;

2) Crescem as preocupações com a bolha imobiliária chinesa e a aceleração da sua taxa de inflação. A irritação causada pela política cambial na China vai acabar impondo a cada país uma política defensiva. Isso poderá ampliar o protecionismo, com graves consequências para o desenvolvimento mundial. A paciência e a leniência do mundo em relação às “artes” chinesas estão se esgotando;

3) Os sinais de uma deterioração das contas externas brasileiras são cada vez mais visíveis, mas ela não coloca em risco a nossa solvência. O problema é que, cada vez que se tentou sustentar o crescimento (do consumo, principalmente) à custa da acumulação de deficits em conta corrente, o final não foi feliz;

4) A “filosofia” do presidente Lula – mesmo dando ênfase ao combate à fome e à melhoria dos menos favorecidos pela sorte – sempre foi a do respeito aos pilares da política econômica canônica: metas de inflação executada por um Banco Central operacionalmente autônomo; construção de superavits primários capazes de reduzir monotonicamente a relação dívida pública/PIB; câmbio flutuante com liberdade de movimento de capitais.

Foi isso o que permitiu ao País aproveitar-se da expansão do crescimento mundial de 2003 a 2008.

Diante da crise mundial, alguns desses cânones foram, justificadamente, quebrados. Parece claro que teria sido preferível dizer isso claramente em relação ao superavit primário de 2009 do que construí-lo com uma contabilidade imaginativa. O resultado final, entretanto, foi bastante razoável: saímos da crise à frente da maioria dos países, mas restou uma dúvida sobre a política fiscal de 2010.

O dilema de Lula em 2010 é que o desejo de eleger o seu sucessor não pode ignorar a saída correta que é a redução dos gastos correntes. Precisa fazer o prometido superavit primário de 3,3%. Sem isso, poderemos ter séria volatilidade no câmbio e aumento da inflação no segundo semestre.

Por Antônio Delfim Netto. (contatodelfimnetto@uol.com.br)
Fonte: DM

Nenhum comentário: