quinta-feira, 5 de junho de 2008

Para sair da armadilha dos juros muito elevados

05 de Junho de 2008 - O Brasil entrou em um novo ciclo de elevação de taxas de juros, sob a aprovação do mercado e da imensa maioria dos economistas, ou pelo menos de grande parte daqueles com espaço na mídia. É a repetição de um velho dilema que aflige a economia brasileira há décadas. Trata-se evidentemente de uma grande contradição, principalmente nos tempos atuais, pelo menos por três motivos, expostos a seguir: 1) O Brasil acaba de ser promovido a grau de investimento por duas das maiores classificadoras internacionais de risco, e evidentemente a posição de detentor da maior taxa de juros reais do mundo não combina em nada com esse novo status. Das duas uma, ou não merecemos a nova classificação, o que se configuraria em um erro clamoroso por parte de duas entidades especializadas, ou a nossa taxa de juros está fora do lugar. 2) Se o argumento é o da elevação da inflação, essa continua dentro da meta, ou pelo menos, dentro da tolerância da meta, uma vez que ninguém projeta uma inflação superior a 6,5% no horizonte, que é o equivalente ao centro da meta, de 4,5% mais a tolerância de 2 pontos percentuais. Nesse caso, cabe questionar então: para que serve o grau de flexibilidade da meta, criado especificamente para a absorção dos choques de custos? 3) Já se parte de um patamar elevadíssimo de juros reais, da ordem de 7% ao ano. Durante a calmaria o argumento era não baixar os juros para se preparar para os períodos mais difíceis. É interessante que diante do cenário de aumento da inflação global observe-se uma certa complacência com a postura conservadora, mesmo que excessiva, sempre em nome da prudência. A questão é que juros elevados, por períodos prolongados, costumam provocar um efeito exatamente contrário ao desejado no que toca à inflação. Se não, vejamos. O que de fato garante no médio e longo prazos que não sobrevivam pressões inflacionárias significativas é que a oferta corra à frente da demanda. Isso só pode ser obtido de forma sustentável com ampliação de investimentos em infra-estrutura e ampliação da capacidade produtiva. Ocorre que um juro elevado, além de ser um convite ao ócio, por premiar as aplicações financeiras, em detrimento da produção, aprecia a taxa de câmbio e desestimula os investimentos. Um outro efeito perverso é sobre o financiamento da dívida pública, cujos títulos em grande parte, por serem pós-fixados, são diretamente influenciados pelas taxas de juros (Selic). Assim, não há superávit primário suficiente para contrabalançar o peso dos encargos financeiros. Mesmo superávits fiscais primários superiores a 4% do Produto Interno Bruto (PIB) não evitam a ocorrência de déficits nominais, na medida em que a carga de juros supera o esforço fiscal. O financiamento da dívida pública brasileira tem custado R$ 160 bilhões (6% do PIB) a cada ano. São recursos públicos preciosos, transferidos diretamente ao setor financeiro e aos credores da dívida pública, que somos todos nós que aplicamos no mercado financeiro. Esse evidentemente não é um processo neutro, na medida em que determina ganhadores e perdedores no jogo. Portanto, a questão dos juros é determinante para o futuro do País. A explicação convencional é que os gastos do governo têm crescido demais, o que é verdade. No entanto, o verdadeiro desafio brasileiro no que se refere ao Estado e gasto público, não é de ordem quantitativa, mas também, e principalmente, qualitativa. É preciso evitar sim os desperdícios, mas também gastar melhor e ampliar o investimento público, melhorar a prestação de serviços em áreas tradicionais (saúde, educação básica, saneamento, etc.) e aprimorar a atuação em áreas novas, como regulação, fiscalização, coordenação, enfim em tudo que se exige de um Estado moderno. Trata-se, sobretudo, de um desafio de gestão. Para isso é mais do que chegada a hora de dar novos passos nas decisões de política macroeconômica. É preciso um novo padrão fiscal, mas também monetário (juros) e cambial. E nenhum desses assuntos deve e pode ser resolvido isoladamente, mas de forma coordenada, o que vai exigir foco e determinação para as mudanças, assim como coragem para fazê-lo. A ousadia estará em mexer em um esquema tático, aparentemente vencedor, mas que já mostra claros sinais de esgotamento, pelo menos para atender aos objetivos de desenvolvimento sustentável de longo prazo. São questões técnicas sofisticadas, mas dependerão, fundamentalmente, de decisões políticas. O quadro está dado e as soluções necessárias são urgentes. A pressão inflacionária de curto prazo, a contínua apreciação cambial e a perigosa inversão de resultados das contas externas são facetas de um mesmo problema a ser atacado já. Teremos a lucidez de fazê-lo em tempo hábil, ou permaneceremos reféns da armadilha dos juros? kicker: Juro alto, por período longo, costuma provocar efeito contrário ao desejado.
Fonte: Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3 - ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA - Professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP.

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