Por Paulo Arantes - 31/01/2009
Há 44 anos, negros e brancos não podiam dividir o mesmo bebedouro de água nem frequentar as mesmas salas de aula nos EUA. Mas, em 2008, os americanos elegeram um negro, Barack Obama, para a presidência. Como esse país pôde mudar tanto em apenas quatro décadas? “Tchau, querida”, foi o que Emmet Till disse para Carolyn Bryant num supermercado na cidadezinha de Money, no Mississippi. Emmet era um menino negro de 14 anos, Carolyn uma mulher branca. Seis dias mais tarde, o corpo do garoto foi encontrado boiando num rio. Ele havia sido torturado e morto com um tiro na cara. O marido e o irmão de Carolyn foram vistos cometendo o crime, mas inocentados por um júri de homens brancos. Parece história de filme, mas em 1955 o sul dos EUA era assim: negros não deveriam dirigir a palavra a brancos e podiam ser linchados sem punição por causa disso. Ser racista era um direito protegido por lei – e foi assim até 1964. Num país que permitia isso há 44 anos, como Barack Obama pôde ter sido eleito para a presidência em 2008? Que tipo de mudança radical aconteceu nos EUA em apenas quatro décadas? É essa a fantástica história dos negros americanos que você vai conhecer agora. 1950 – Segregação, racismo e linchamento: assim era o dia-a-dia dos negros.O primeiro passo para um negro ter chegado à Casa Branca em 2008 foi dado pelo movimento dos direitos civis lá nos anos 1950. Até essa época, as relações entre as raças eram “separadas-mas-iguais”. Negros não eram proibidos de nada, mas levavam a vida em ambientes distintos. Assim, havia restaurantes especiais, hospitais especiais e escolas especiais para negros – que de especiais não tinham nada. No Estado da Carolina do Sul, por exemplo, o governo gastava US$ 179 por ano para cada aluno branco e apenas US$ 43 para cada negro. Na maioria dos Estados do sul, um negro só podia se sentar num ônibus se todos os brancos estivessem sentados. O apelido dado a essas leis separatistas era Jim Crow, um personagem estereotipado de um negro que falava alto, brincava demais, trabalhava de menos e não cheirava bem. Foram os protestos de pessoas comuns que começaram a botar o assunto na roda: como Rosa Parks, uma senhora que se recusou a dar lugar a um branco em um ônibus, e Charles Houston, um advogado que resolveu comprar a briga contra as leis segregacionistas. Houston, aliás, foi o responsável pela primeira vitória dos negros rumo à igualdade. Em 1954, ele conseguiu provar na Suprema Corte americana que escolas separadas faziam mal ao desenvolvimento e à auto-estima das crianças. Para isso, citou um estudo que foi feito com 16 estudantes negros dos Estados do sul. A cada uma das crianças foram mostradas duas bonecas: uma branca e uma negra. Dez das crianças disseram que gostavam mais da boneca branca e 11 responderam que a negra era feia. Quando perguntados com qual das duas eles se pareciam, sete alunos responderam a branca, e os outros não conseguiam admitir que eram parecidos com a boneca rejeitada. “Segregação faz um grupo de pessoas acreditar que é inferior”, disse alguns anos depois o psicólogo que conduziu o estudo, Kenneth Clark. E não foi só nas cortes que as pessoas acharam meios para lutar contra a separação. A famosa campanha pelos direitos civis, liderada por Martin Luther King Jr . e seu sonho de igualdade, foi na verdade uma série de pequenos atos de protesto espalhados pelo sul do país. Aquela senhora que se recusou a se levantar num ônibus no Alabama levou ao boicote do transporte público da cidade inteira em 1955: durante 13 meses, nenhum negro andou de ônibus por lá. Em Nashville, pequenos grupos de estudantes decidiram que não seriam mais maltratados em restaurantes só para brancos. Durante meses, eles iam às lanchonetes, mas não eram atendidos. Em vez de irem embora, passavam horas sentados no lugar e voltavam no dia seguinte para continuar com os protestos. Eram os chamados sit-ins. Muitas vezes, estudantes brancos jogavam comida ou cuspiam neles, mas os negros não retrucavam. Em abril de 1960, eles finalmente foram atendidos. 1960 – Acerto de contas. Separar brancos e negros virou caso de prisão.Com a cobertura da imprensa, os protestos foram motivo de mais protestos, até chegarem aos ouvidos do candidato à presidência pelo partido democrata daquele ano: John F. Kennedy. Até então, ele não estava muito sensibilizado pela questão. Em seu livro Eyes on the Prize (De Olho no Prêmio), o escritor americano Juan Williams cita as palavras de Kennedy sobre o assunto: “Eu quase não conheci negros na minha vida. Eu nunca pensei muito nesse assunto, na verdade. Preciso aprender sobre isso.” Conhecer os direitos civis foi um bom jeito de angariar votos. Ainda antes das eleições, Kennedy se aproximou de Martin Luther King Jr. O democrata começou uma campanha para registrar eleitores negros do sul e prometeu que resolveria a segregação assim que chegasse à Casa Branca, com “apenas uma canetada”. Em 1960, Kennedy recebeu 68% dos votos dos negros.A canetada milagrosa acabou sendo apenas uma promessa de campanha e nunca aconteceu, mas o presidente começou a se engajar numa questão polêmica: a das cotas. “100 anos se passaram desde que o presidente Lincoln libertou os escravos, mas seus herdeiros não são realmente livres. Eles não se livraram da opressão econômica e social. Chegou à hora desta nação cumprir a promessa de Lincoln”, discursou Kennedy em 1963. (Aliás, Kennedy era um excelente orador, tinha ideias inovadoras e era jovem – e não é à toa que Obama é constantemente comparado a ele.) O fato é que os negros viviam num círculo vicioso: tinham apenas o equivalente a dois terços do tempo de estudo dos brancos. Por consequência, não conseguiam bons empregos e viviam com um salário muito menor: em 1960, uma família branca recebia US$ 5 800 ao ano, enquanto que uma família negra ganhava US$ 3 200. Havia empresas como a Lockheed Aircraft Corporation, uma fábrica de aviões com 10.500 funcionários, dos quais apenas 450 eram negros. O presidente queria instituir uma política que compensasse os séculos de marginalização dos negros e criou leis que os privilegiavam. E mais importante: Kennedy lutou para levar ao Congresso uma lei que proibia a segregação e o racismo. “Chegou à hora de escalarmos o abismo escuro e desolador da segregação para chegarmos à trilha ensolarada da justiça racial”, dizia Martin Luther King em 1963. Mal sabia ele que os passos seguintes nessa trilha seriam dados à força. Kennedy foi assassinado em novembro de 1963. Em 1968, chegaria a hora de Luther King. Embora todas as leis separatistas tivessem sido abolidas e as cotas agora agissem a favor dos negros, a igualdade estava longe de ser real. Na verdade, um pouco antes da década de 1970, uma boa parcela de negros continuava bem insatisfeita. Foi assim que surgiram os grupos mais radicais. O mais famoso deles, os Panteras Negras, foi fundado para vigiar os abusos cometidos por policiais contra negros. Só que seu conceito de vigilância era acompanhar as patrulhas com carros próprios – e carregando armas. Eles costumavam citar o líder negro Malcolm X, quando diziam que a igualdade entre raças seria alcançada por “qualquer meio necessário”. Essa mistura era tão explosiva que o próprio fundador dos Panteras, Huey Newton, acabou preso por matar um policial. O ódio racial não era mais contra negros, mas contra brancos. Não é à toa que, no começo do ano de 2008, os assessores de Barack Obama tremeram quando o ex-pastor do candidato, Jeremiah Wright, foi flagrado dando declarações racistas, do tipo que a aids seria uma invenção do governo dos EUA para eliminar os negros.
Paulo Arantes é coordenador de organização e finanças da Juventude do PT-GO, acadêmico de Administração e suplente de vereador por Goiânia
Fonte: DM
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