quinta-feira, 21 de maio de 2009

Democratizar a democracia

Fernando Safatle

21/05/2009

Os escândalos recorrentes no Congresso Nacional, ora envolvendo deputados e senadores na gastança com passagens aéreas e a descoberta de um infindável cipoal de diretorias regiamente remuneradas, ora arrastando na lama funcionários graduados que se lambuzam em licitações fraudulentas, tudo isso, somado e juntado com um amontoado de outros episódios de triste memória, conspira fortemente para desgastar a já tão combalida imagem da classe política junto à opinião pública. E o pior é que, junto com a imagem do político, vai para o ralo a própria imagem da democracia representativa.
Talvez não conheçamos um momento da história política brasileira onde a credibilidade do político e da democracia esteve tão em baixa como agora. Além dos escândalos e mau uso do dinheiro público, corrobora para isso também o enorme desgaste da representação, a mesma que acabou acontecendo pela forte presença no processo eleitoral do poder econômico. Hoje, com raríssimas exceções, não se consegue se eleger sem um esquema financeiro capaz de lhe dar sustentação.
O sistema político atual que instrumenta a escolha dos representantes entrou em crise e exige mudanças. Ele é intrinsecamente antidemocrático e perverso. É antidemocrático e perverso porque, simplesmente, não dá as mesmas oportunidades a todos que concorrem às eleições, pois permite o uso abusivo do poder econômico. Por isso, os ditos representantes do povo eleitos com o voto popular foram perdendo aquele amálgama e o liame de legitimidade desgastando a credibilidade da democracia representativa.
Ciosos dessa crise de credibilidade, retiraram da gaveta a proposta da reforma política e recolocaram na pauta de discussões do Congresso. O financiamento público de campanha, o voto na lista partidária, a proibição das coligações para as eleições proporcionais e outros temas fazem parte do conjunto de medidas que visam mudar o atual sistema político. Mas há que se perguntar: mudar o sistema político em que direção? Que democracia queremos construir? Existe um projeto de democracia que busca ampliar os espaços de participação da cidadania democratizando sua presença na construção de um Estado cada vez mais público? Será que pode se esperar um projeto de democracia que traz um conteúdo transformador, ou apenas, penduricalhos que adornam e ajudam a nublar a visão do essencial, que é a ampliação dos espaços democráticos para que a população intensifique o controle social do aparelho de Estado?
A retomada do projeto de reforma política no Congresso ocorre em um momento de fragilidade e descenso do movimento popular e, mais do que isso, em uma situação de certa hegemonia cultural do neoliberalismo, ainda que abalado nos seus fundamentos teóricos pela recente crise do capitalismo financeiro.
Isto posto, faz com que a discussão da reforma política aconteça diante de uma situação política pouco favorável para conquistar importantes avanços que permitiriam configurar um projeto que barrasse não só o abuso do poder econômico nas eleições, mas moldasse um conjunto de medidas que abrisse espaços para outras formas de democracia participativa. As experiências ricas de democracia participativa que ocorreram nos anos recentes, como, por exemplo, a formação de conselhos de participação, seja em nível setorial, como os da saúde, seja em nível municipal e, outras, como as experiências de orçamento participativo, constituem já um legado histórico que abre um horizonte que nos remete mais além de um arremedo de reforma política que substancialmente não oxigena um projeto de democracia que precisa ser construído. Mesmo porque não se trata tão somente de fazer remendos no sistema político eleitoral, mas, fundamentalmente, repensar, ou, até mesmo, refundar um sistema democrático que nos ajude a corrigir as desigualdades sociais e as disparidades regionais de renda. Isto significa aprofundar a democracia não só no sistema de representação eleitoral, blindando-o ao assédio do poder econômico, como, também, transpassá-la por dentro do aparelho de Estado, assegurando um efetivo controle social na gestão dos recursos públicos. Ainda mais, se considerarmos que estamos vivenciando uma conjuntura em que se exige ampliar a presença do Estado como agente importante na promoção de políticas anti-cíclicas. Contudo, que se faça, sobretudo, de forma democrática e participativa.

Fernando Safatle é economista e presidente do PT de Catalão
Fonte: DM

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