segunda-feira, 18 de maio de 2009

O direito constitucional da criança à creche

18 de Maio de 2009 - A criança de família modesta, cuja mãe não tem a possibilidade de assisti-la durante todo o tempo ou de pagar por sua matrícula em estabelecimento privado de assistência à criança, tem o direito de exigir do governo do município o direito de ser acolhida numa creche e não ficar em situação de abandono, excluída da sociedade. Esse direito, com a correspondente afirmação da responsabilidade das autoridades municipais, está expresso na Constituição e é de fundamental importância que seja respeitado, para garantia da inserção social, necessária para que não ocorra a marginalização da criança com suas gravíssimas conseqüências individuais e sociais.

É necessário e oportuno ressaltar a existência desse direito constitucional e da responsabilidade por sua efetivação, para deixar evidente o absurdo de uma recente decisão, frontalmente inconstitucional, de um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, negando a garantia desse direito a grande número de crianças. Fundamentada, exclusivamente, na alegação do poder público de que o atendimento desse direito seria inconveniente, do ponto de vista prático, para a administração municipal, pois poderia "desestruturar o sistema", a Prefeitura Municipal de São Paulo obteve autorização judicial para deixar 67 crianças de famílias modestas da zona Sul de São Paulo sem o acesso a uma creche, excluídas da possibilidade, que é um direito fundamental, de inserção social.

A inconstitucionalidade dessa decisão judicial é facilmente demonstrável. Com efeito, proclama a Constituição brasileira, no artigo 205, que a educação é direito de todos e dever do estado, dispondo, no artigo 227, que é dever do estado assegurar à criança e ao adolescente, "com absoluta prioridade", o direito à educação, à cultura e à dignidade. No artigo 208 acrescenta-se que o dever do estado com a educação será efetivado mediante garantia, entre outras, de educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de até 5 anos. E pelo artigo 30, que trata das competências municipais, ficou estabelecido que compete aos municípios manter programas de educação infantil e de ensino fundamental. Essa obrigação constitucional dos municípios foi especialmente enfatizada na Constituição do Estado de São Paulo, cujo artigo 240 estabelece que os Municípios responsabilizar-se-ão "prioritariamente", pelo ensino fundamental e pela pré-escola.

Não há como contornar essas disposições constitucionais para exonerar a Prefeitura Municipal do cumprimento da obrigação de assegurar a efetivação dos direitos das crianças necessitadas do apoio público. Tais direitos, assim como a obrigação do poder público, são expressamente qualificados como prioridades, não tendo cabimento a alegação de que o atendimento desses direitos poderia desestruturar o sistema, como se houvesse um sistema rígido, previamente estabelecido, cuja manutenção fosse prioritária para o governo do município, acima do que determina a Constituição. É ainda oportuno lembrar que, de acordo com o parágrafo 2 do artigo 208 da Constituição da República, o não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público importa responsabilidade da autoridade competente. Por tudo isso, é absolutamente necessário, em respeito à Constituição e aos interesses sociais relevantes, que o Tribunal de Justiça de São Paulo torne sem efeito, rapidamente, aquela infeliz decisão monocrática, que, além de tudo, afrontou os princípios constitucionais da dignidade humana e da cidadania.

kicker: A prefeitura municipal tem obrigação de assegurar os direitos das crianças que necessitam do apoio público

Fonte: (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Dalmo de Abreu Dallari - Jurista)

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