quarta-feira, 4 de março de 2009

Do autoritarismo à estratégia

Compreender o homem em suas sutilezas é sempre um desafio, porque, se por um lado, sobressaem os instintos naturais comuns a todos, por outro, os níveis de consciência são individualizados e transitam pelos extremos: da arrogância à humildade, da sutil inteligência à boçalidade imediatista, da estratégia ao autoritarismo. Ainda que o desafio seja grande, não é uma tarefa impossível, exigindo apenas que o observador seja atento e não se esconda em sua própria sombra. A observação relata, a ação delata.
Independente da política adotada, da escola de pensamento que se segue, pode-se observar que, embora os métodos empregados sejam diferentes, a humanidade parece estar sempre buscando o mesmo objetivo. Mas qual seria esse objetivo? Sendo bem simplista, todo mundo deseja ser feliz, todo mundo deseja a paz, todo mundo sonha com um amor eterno. Então, por que existe guerra? Não. Não seria eu a responder essa angustiante pergunta da humanidade. Sou um observador apenas. É possível, no entanto, perceber, principalmente entre os líderes, que uns são mais humanistas, outros mais democratas, outros mais autoritários.
Seria desejável que todas as pessoas se comportassem nos parâmetros de uma linha ideológica puramente humanista, pensando no bem coletivo, na realização pessoal, mas integrada a um sentimento universal de benignidade. Esta, infelizmente, não é a realidade que nos salta aos olhos. Como alertou Maquiavel, devemos esquecer a fantasia ou a imaginação e tratar apenas da realidade, indo atrás da verdade efetiva das coisas e entender que o comportamento humano é determinado por suas intenções e seu código de ética. Todos nós, sem muito esforço, saberíamos identificar entre nossos colegas de trabalho pelo menos um que apresenta desvio de personalidade e age prejudicando não apenas os companheiros, mas os objetivos da organização. Nestes momentos é que o verdadeiro líder desponta. Quando passa por cima de seus interesses particulares, desagrada alguns, beneficia muitos.
Maquiavel escreveu O Príncipe no início do século XVI, dentro de um contexto histórico e uma realidade social bem diferente da atual, mas seus estudos continuam válidos porque foram centrados na natureza humana. A interpretação de Maquiavel, como de qualquer outro pensador, está ligada à experiência de quem interpreta. É como uma ferramenta, um martelo, que é criado para facilitar o ofício da carpintaria, mas pode se transformar numa arma mortal quando dirigido à cabeça de uma pessoa. O tratado sobre o poder e as formas para se manter nele de maneira eficaz, elaborado pelo pensador, mostra como um líder pode utilizar esse conhecimento para melhorar o seu ambiente de trabalho, adotando estratégias. Ser um estrategista não significa, necessariamente, ser autoritário. Tanto nas empresas privadas, quanto nas públicas, ou em qualquer outro tipo de instituição, a difícil missão de liderar pessoas pode ser facilitada pela compreensão correta das ideias de Maquiavel, é claro, promovendo algumas adaptações.
O fantástico mundo da humanidade analisado à luz de aspectos históricos, contextualizado ao nosso tempo atual, mostra-nos que o entusiasmo político, o carisma irretocável e a ambição desmedida ainda são pontos marcantes daqueles que ocupam o poder. No entanto, esta observação não é suficientemente profunda para fazer uma análise que esgote o assunto. As ideologias, as contribuições da memória, das conjunturas deverão ser levadas em conta. Esta geração cresceu num Brasil autoritário e as pessoas, mesmo que se justifiquem ou que não percebam, são, em princípio, autoritárias. Começo então a entender porque, apesar de tudo, o mundo ainda melhora com o passar do tempo. O mundo melhora não porque me torno uma pessoa melhor, mais compreensiva, mais tolerante. O mundo melhora porque eu morro e assim dou à natureza a chance da renovação. Ainda que as mudanças sejam lentas, elas acontecem.
Por Kleber Adorno escritor, advogado, secretário municipal da Cultura e pró-reitor de Comunicação e Cultura do Uni-Anhanguera

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