Nos estertores do século XX dezenas de organizações e movimentos da sociedade civil brasileira recolheram o milhão de assinaturas necessário à apresentação de um projeto que originou nossa primeira lei de iniciativa popular: a Lei nº 9.840/99. Ela trata de temas como a compra de votos e o desvio eleitoreiro do aparato administrativo. A grande coligação de esforços sociais, o amplo apoio popular obtido pela iniciativa e o caráter inadiável das providências ali previstas levaram a uma rápida aprovação do projeto pelo Congresso Nacional.
A mais popular das leis brasileiras se tornou também, e por isso mesmo, a mais eficiente das normas eleitorais. Os arts. 41-A e 73, § 2º, da Lei das Eleições, são as estrelas das seções dos tribunais eleitorais, bastando lembrar que entre 2000 e 2007 mais de 600 políticos já haviam perdido o mandato pela prática de atos de corrupção eleitoral. Os dados são de uma pesquisa feita pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), que apresentou o número de políticos cassados por corrupção eleitoral no País.
São essas mesmas normas que embasam os processos que ameaçam o mandato de uma terça parte dos governadores eleitos em 2006 e que já fulminaram diversos mandatos injustamente alcançados nas eleições municipais do ano passado. Esse cenário é fruto da mobilização da sociedade civil, que silenciosamente mudou para sempre os rumos do Direito Eleitoral brasileiro.
Não há por assim dizer uma “judicializaçâo da política” ou uma “indústria do terceiro turno”, expressões cunhadas por quem ainda não divisou o novo cenário inaugurado desde a edição da Leiº 9.840. O que se descortina agora são as conseqüências da pressão legítima da sociedade civil junto à Justiça Eleitoral no sentido de que cumpra o seu dever constitucional: depurar os pleitos, concedendo-lhes legitimidade e propiciando a descoberta da verdade eleitoral. Agora que estamos prestes a comemorar os primeiros 10 anos da conquista de nossa primeira lei de iniciativa popular, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (www.mcce.org.br) apresenta à sociedade brasileira um novo projeto de lei para alijar das disputas os condenados criminalmente por delitos de extrema gravidade e os que hajam renunciado a seus mandatos para escapar de punições. Foi assim que surgiu a Campanha Ficha Limpa, em que já foram coletadas perto de 800 mil, do 1,3 milhão de assinaturas necessárias à apresentação de um projeto de lei dessa natureza, o equivalente a 1% do eleitorado.
A sociedade brasileira esperava desde 1994 (quando o § 9º do art. 14 da Constituição passou a ter a redação atual) que o Congresso Nacional disciplinasse as balizas para a análise da vida pregressa dos candidatos. Ao não agir, compeliu essa mesma sociedade a descruzar os braços, elaborar um novo projeto de lei e partir para a coleta das assinaturas necessárias à sua apresentação ao Parlamento.
A política se tornou uma atividade inglória na qual, muitas vezes, saqueadores de verbas da saúde e da educação ocupam o lugar de lideranças vocacionadas. O clientelismo, mola propulsora dessa máquina, alimenta-se da usurpação dos mandatos e dos cargos de livre designação, permitindo a captura do governo por agentes a quem interessa apenas a satisfação imediata dos próprios interesses materiais.
Chegadas as eleições, os recursos que deveriam preservar vidas e propiciar o desenvolvimento econômico e cultural são destinados à conquista ou manutenção do poder. Passado o pleito, tem lugar a sanha de transferir para si o que é dos outros. E assim aprofunda-se a pobreza política de um Brasil que rapidamente mudará de patamar tão logo possa superar essa provisória condenação.
A Lei nº 9.840 chamou a atenção para a qualidade dos pleitos; a nova iniciativa popular de projeto de lei nos convida a redefinir o perfil esperado dos candidatos. Ela chama à mobilização os descontentes com o quadro atual e os que aspiram a um tempo em que a qualificação e a legitimidade social sejam a marca dos eleitos. Ela propõe um novo Brasil, refundado a partir de uma nova prática política em que não há visionários ou predestinados, mas projetos inclusivos, dialógicos, profundamente comprometidos com ética e a cooperação.
Por Márlon Jacinto Reis juiz de Direito no Maranhão, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais (Abramppe) e membro do Comitê Nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
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